Posição da APAV relativamente às crianças como vítimas de violência doméstica
Tendo aparentemente suscitado algumas dúvidas a posição manifestada pelo Presidente da APAV, João Lázaro, na entrevista concedida à Agência Lusa a propósito dos 30 anos da Associação, relativamente à necessidade de alterações ao quadro legal para uma maior proteção das crianças inseridas em contexto de violência doméstica, vem a APAV esclarecer o seguinte:
- A APAV vem defendendo há vários anos - e ainda em Maio deste ano o voltou a fazer, em Parecer que apresentou ao Parlamento sobre várias iniciativas legislativas - que a exposição de criança a uma situação de violência doméstica deve constituir em si mesma a prática de um crime de violência doméstica, tal como sucede os casos em que a criança é o alvo direto dos atos violentos em contexto doméstico e, consequentemente, que todas as crianças inseridas num contexto de violência doméstica devem ser protegidas de igual forma pelo ordenamento jurídico.
- Esta posição da APAV assenta no facto, hoje em dia consensual porque assente em sólidos estudos científicos, de que a exposição de uma criança a atos violentos é profundamente prejudicial ao seu normal desenvolvimento.
- Sendo a exposição a atos violentos em contexto doméstico considerada como violência doméstica, a criança, que passará a ser tratada como vítima, beneficiará automaticamente quer do estatuto de vítima de violência doméstica, quer do estatuto de vítima de crime, quer do estatuto de vítima especialmente vulnerável, o que significará o acesso a um conjunto alargado de direitos que visam, nomeadamente, garantir a sua proteção, quer face à possibilidade de revitimação, intimidação ou retaliação, quer quanto à ocorrência de vitimação secundária resultante da sua participação em processos judiciais.
- Consideramos, no entanto, que tal deveria ser feito numa perspetiva compreensiva e integrada, discordando a APAV da opção por uma sistemática dispersão legislativa a que temos assistido: ao compartimentar os direitos das vítimas de crimes em diversos diplomas legais, o legislador, ainda que motivado por boas intenções, tem contribuído para a duplicação e para a incoerência de alguns aspetos do quadro legal e para a confusão na aplicação do mesmo.
- Acresce que, apesar desta multiplicidade de estatutos, ainda assim se verificam graves omissões no quadro legal em diversos aspetos que consideramos fundamentais para a proteção das vítimas de crime e, designadamente, das crianças vítimas. São exemplos disto as falhas apontadas a Portugal no cumprimento da Convenção de Istambul e a não transposição para o ordenamento jurídico nacional de algumas normas da Diretiva 2012/29/UE relativa aos direitos das vítimas e que preconizam, por exemplo, que uma criança deva ser inquirida por alguém qualificado para o efeito ou com a sua assistência, ou que possa ser acompanhada por técnico/a nas diligências em que tenha que participar, entre outras.
Em suma: a APAV defende uma posição de proteção acrescida para estas crianças, desde logo incluindo-as de forma clara no elenco de vítimas de violência doméstica, através da alteração do art.º 152º do Código Penal e, consequentemente, permitindo-lhes beneficiar de todos os direitos que essa condição lhes confere, direitos que deveriam resultar de um quadro comum – o estatuto da vítima de crime -, reforçado para determinadas categorias de vítimas, entre as quais a das crianças.